sexta-feira, outubro 01, 2010

Uma Breve Abordagem ao Enquadramento Tectonoestratigráfico da Praia das Sereias (Espinho)

Cláudia T. N. LOBO (1) &, Mariana M. P. CANOSO (1)
(1) Escola Secundária Dr. Manuel Gomes de Almeida, Espinho. Turma 12º-2ª /Geologia, Curso Científico–Humanístico de Ciências e Tecnologias

ResumoÉ feita uma descrição, na terceira pessoa, da aula de campo de Geologia – 12º Ano que decorreu no litoral urbano de Espinho. Enquadra-se, de forma sucinta, a zona morfoestratigráfica ibérica em que se insere a região. Aborda-se a dinâmica litoral e sedimentar da faixa litoral urbana, especialmente do troço de praia designado por “Praia das Sereias”.


   A 16 de Setembro de 2010, catorze pioneiros da Geologia na Escola Secundária Dr. Manuel Gomes de Almeida, em Espinho, viram a “sua” cidade com outros olhos.
   Dia após dia, ao percorrermos as ruas de Espinho, a nossa mente vagueia, falamos de como correu o nosso dia ou de todos os outros assuntos que ocupam a nossa vida… Desta vez foi diferente! 
  Observámos Geologia onde antes víamos muros e casas, recolhemos “cicatrizes” do nosso litoral, que antes para nós eram apenas areia, mas é essa a vantagem de não ter Psicologia B, não estudamos o incompreendido Ser Humano (o que de certeza nos traria grandes dores de cabeça e muito poucos resultados), mas sim o “don’t ask, don’t tell” da Natureza. Por trás de toda a boa disposição e sob o olhar atento de “Jeka”, a primeira cadela com “interesse geológico”, o conhecimento construiu-se:  

Fig.1

   A mítica cidade de Espinho encerra muito mais do que a típica feira de Segunda, as concorridas praias onde o surf e o bodyboard reúnem a juventude ou a famosa AIPAL. Espinho localiza-se em terrenos geológicos do Maciço Ibérico, ou Maciço Hespérico (conjunto extenso de afloramentos do Precâmbrico e do Paleozóico da Península Ibérica). Das várias zonas em que o Maciço Ibérico (fig.1) é subdividido (Terrenos Alóctones, Zona Centro Ibérica, Orla Ocidental, Zona de Ossa Morena, Zona Sul Portuguesa e Orla Algarvia) interessa, neste caso, a Zona de Ossa-Morena, na qual se inserem a região e as rochas de Espinho. O nome resulta desta ser uma zona tectonoestratigráfica que se prolonga, a sul, especialmente por dois relevos: as serras de Ossa, no Alto Alentejo, e a serra Morena, na Andaluzia (ver figura 1).
   No que concerne à área em estudo, os únicos afloramentos disponíveis para observação pertencem, do ponto de vista morfoestrutural, ao contacto entre a Zona Centro Ibérica (Julivert et al. 1974, cit. em Ribeiro et al. 1979) e a Zona de Ossa-Morena (op. cit.). Este contacto faz-se, no noroeste de Portugal, através de faixa metamórfica de orientação NNW-SSE, ao longo do importante acidente tectónico designado por Zona de Cisalhamento Porto-Tomar (Ribeiro, Pereira & Severo 1979). Esta estrutura divide as sequências da Zona Centro Ibérica (ZCI) a Este, das sequências pertencentes à Zona de Ossa-Morena (ZOM) a Oeste (Ribeiro et. al., p.3 op.cit.).
   Espinho inscreve-se em terrenos marcados pela já referida Zona de Cisalhamento Porto-Tomar, o que elucida sobre o seu carácter geologicamente complexo. Os afloramentos observados pertencem ao Complexo Xisto-Grauváquico (CX-G) de idade Pré-Câmbrica a Câmbrica (Couto 1993, cit. em Couto & Guerner Dias 1998), constituindo o prolongamento para SE dos terrenos do Complexo Metamórfico da Foz do Douro (CMFD).
   “Se queres conhecer as rochas de uma região, olha para os muros antigos”. Antigamente, casas e muros eram construídos com os materiais que os habitantes da altura recolhiam do espaço envolvente, e o muro da rua 20 não é excepção. Por aqui iniciámos a nossa visita e, o facto de ser constituído por micaxisto luzente, com pequenos “apontamentos” de granadas, fez-nos concluir que este é um tipo litológico muito comum da nossa zona.
   Descendo a rua 33, chegámos à tão afamada praia das Sereias (desde já, fica dito que é a praia preferida das autoras)… Os mais atentos já devem ter reparado no “mini-esporão” lá construído, a sul, e muitas foram as hipóteses propostas para a sua construção: evitar o excessivo avanço do mar (que poderia provocar o desaparecimento desta praia), aproveitamento das rochas que sobraram da construção do esporão em frente à piscina “Solário Atlântico”, entre outras… Na realidade, nada disto corresponde ao real motivo, ou pelo menos ao principal. Uma das três grandes linhas de água subterrânea da cidade situa-se na rua 33 e, como forma de não desaguar na praia, construiu-se o referido “mini-esporão”, que protege uma estrutura enterrada de forma a conduzi-la ao mar.

Fig.2

   Ainda na Praia das Sereias, mesmo em frente às escadas de acesso, aprendeu-se que as rochas observáveis nesse específico local, em períodos de maré baixa, são não apenas resquícios do antigo esporão da rua 27 mas, principalmente, rochas metamórficas constituintes do substrato geológico de Espinho. Assim, o afloramento de rochas metamórficas da “Praia das Sereias” (fig.2) pertence, tal como o Complexo Metamórfico da Foz do Douro, à Zona de Ossa-Morena (ver mapa da fig.1). É constituído essencialmente por xistos micáceos, xistos anfibolíticos e filonetes de quartzo que interpenetram as rochas metamórficas. A orientação é NNW-SSE.

Fig.3

 
   Os mais curiosos ficam ainda a saber que a extensão da Avenida 2 entre esta praia e o “Surfing”, estranhamente, nunca foi galgado de forma sistemática pelo mar e, por isso, o muro nessa zona não sofreu reconstrução desde a sua feitura (fig.3).

  


Fig.4

   Mais um pouco se caminhou, contando sempre com a descoordenação motora e o agradável latir da “nossa” entusiasta de quatro patas, até à Praia da Baía (fig.4). Chegados ao local, o ponto de estudo foi o esporão aí existente. O esporão, obra pesada de defesa do litoral, é constituído por gnaisses e granitos, estes provenientes, na sua maioria, de Lavadores. Concluímos ainda que os minerais de cor vermelha, presentes em algumas rochas, se designam por hematite, os “cor de limão” por limonite e que os orifícios de grandes dimensões observáveis em certos blocos rochosos não são mais do que os locais de inserção da dinamite o que permite desagregá-los das pedreiras de onde provêem.


Fig.5


   Será de referir que, além de tudo o que foi descrito, se tiraram ensinamentos de leitura de mapas (fig.4) e cartas geológicas (fig.5), orientação com bússola e amostras de areia das diferentes praias foram recolhidas (apesar de ser o que parece, praias muito próximas nem sempre têm areia com o mesmo tipo de granulometria).
  


   
    E pronto, 135 minutos voaram e muito se aprendeu… Que esta seja a primeira de muitas visitas de campo, visto que estamos no 12ºano e já temos idade para sair à rua!


Bibliografia
COUTO, H. & GUERNER DIAS, A. (1998) – Parque Paleozóico – Exemplo de património geológico. Actas do V Congresso Nacional de Geologia, Comunicações do Instituto Geológico e Mineiro, Tomo 84, Fascículo 2, G-14 – G-17. IGM, Lisboa.
NORONHA, F. (2000) – Enquadramento Geológico da Região do Porto. Lição integrada no XX Curso de Actualização para Professores de Geociências da Associação Portuguesa de Geólogos. Porto, 4 pp.
RIBEIRO, A., ANTUNES, M.T., FERREIRA, M.P., ROCHA, R.B., SOARES, A.F., ZBYSZEWSKI, G., ALMEIDA, F.M., CARVALHO, D. & MONTEIRO, J.H. (1979) – Introduction à la Géologie Génerale du Portugal. Serviços Geológicos de Portugal. Lisboa, 114 pp.
RIBEIRO, A., PEREIRA, E. & SEVERO, L. (1979) – Análise da deformação da zona de cisalhamento Porto – Tomar na transversal de Oliveira de Azeméis. Cópia de Comunicação apresentada no I Encontro de Geociências. Lisboa, 9 pp.

7 comentários:

Manuel Maria Leite disse...

Excelente! Ficou melhor do que eu pensava - keep up the good work!

I luv ya both!!

MML

Unknown disse...

Na minha opiniao fizeram um excelente trabalho,deram a conhecer da melhor forma a nossa saida de campo =)
Sofia Lima

Mariana Canoso disse...

Obrigado a ambos :)

C.L disse...

Assino por baixo mariana, Muito obrigada a ambos :)

Unknown disse...

Acho que já me arrependi de não ter escolhido para Geologia mas sim aquilo "que de certeza me trará grandes dores de cabeça e muito poucos resultados", só pelo que li já tenho vontade de me juntar a voces (:

Joana Tavares

CC disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
CC disse...

Muito sinceramente não me arrependo de ter escolhido Psicologia B (o Ser Humano é algo realmente fascinante e gosto de saber como "funcionamos"), mesmo depois de ler esta fantástica entrada sobre a vossa "visita de campo".
Mariana, excelente trabalho. (:
E aos restantes os meus parabéns também.
É bom saber que Geologia,realmente, it's not
just rocks. :DD

Carla Couto

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